Primeira deflação em 2 anos: o que isso significa para sua empresa?

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), indicador que aponta a prévia da inflação oficial no país, registrou uma queda de 0,14% em agosto: a primeira retração desde julho de 2023 e a mais intensa desde setembro de 2022 (-0,37%). Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última terça-feira (26).
Apesar da deflação, o resultado ficou abaixo das expectativas do mercado, que projetada um recuo entre 0,19% e 0,22%. No acumulado de 12 meses, o índice soma 4,95%.
Segundo o IBGE, a energia elétrica residencial foi o principal fator de influência, com queda de 4,93% após a inclusão do Bônus de Itaipu nas contas de agosto. Entre os nove grupos pesquisados pelo IBGE, quatro registraram queda em agosto. O grupo principal foi o de Habitação, com queda de -1,13% sob o impacto da redução da conta de luz. Também houve recuo em Comunicação (-0,17%), Alimentação e bebidas (-0,53%) e Transportes (-0,47%).
Confira a variação dos grupos em agosto
- Habitação: -1,13
- Alimentação e bebidas: -0,53
- Comunicação: -0,17
- Transportes: -0,47
- Artigos de residência: 0,03
- Vestuário: 0,17
- Saúde e cuidados pessoais: 0,64
- Educação: 0,78
- Despesas pessoais: 1,09
Confira a análise do Diretor de Produtos da BFC, Enrico Canazart, acerca dos resultados:
Quais as oportunidades e desafios para as empresas dos segmentos que puxaram o índice para baixo? E os restantes?
ENRICO: Os segmentos de energia elétrica, alimentos e transportes tiveram queda de preços e isso traz, de imediato, um alívio nos custos operacionais de muitas empresas, especialmente aquelas com consumo elevado de energia ou dependência logística.
A oportunidade está em usar essa folga temporária, apesar de pequena, para reforçar caixa e investir em eficiência. Por outro lado, os setores que tiveram alta, como educação, saúde e despesas pessoais, ainda enfrentam pressão de custos, o que mostra que a deflação foi pontual e não generalizada. Portanto, o desafio é equilibrar a gestão do fluxo de caixa sem se deixar levar pela percepção de que os custos, no geral, vão cair de forma sustentada.
Na prática, o que o resultado do IPCA-15 sinaliza para a economia brasileira?
ENRICO: Embora seja o nosso primeiro mês de deflação em 2 anos e a primeira vez que a inflação acumulada dos últimos 12 meses cai abaixo de 5% desde março, a composição do índice não foi boa. Se destrincharmos o número, observamos que grande parte da queda veio do componente ‘habitação’, que foi diretamente influenciado pela queda da energia elétrica com o bônus de Itaipu.
Parte relevante também veio no componente alimentos e bebidas, que se beneficiou de um recuo recente no preço de commodities. Dito isso, o que preocupa é o preço dos serviços, com itens como mensalidades escolares subindo acima do esperado devido a um mercado de trabalho bastante apertado.
A nossa taxa de desemprego caiu para 5,8% no segundo trimestre, a menor taxa da série histórica do IBGE. Isso tende a impor uma pressão substancial no mercado de trabalho, levando a aumentos salariais. Isso dificulta o planejamento do Banco Central e pode indicar juros mais altos por um pouco mais de tempo, com o ciclo de cortes começando apenas em 2026.
A deflação pode influenciar as expectativas em relação à política monetária e à taxa Selic?
ENRICO: Se a desinflação continuar de forma mais abrangente, sim. Porém, como o dado de deflação de agosto é muito localizado, o mercado deve interpretar com cuidado. Ao pensar em cortar os juros, o Banco Central se preocupa tanto com os dados apresentados quanto com a trajetória e expectativa em relação a esses dados.
Como o mercado de trabalho está muito apertado e há uma pressão persistente nos preços de serviços, talvez não seja possível começar a cortar a taxa Selic ainda este ano. Quando juntamos isso à possibilidade de um câmbio mais fraco no final do ano, como resultado das tarifas americanas, acreditamos que o Banco Central não terá tempo hábil para ajustar sua comunicação e as expectativas dos agentes de mercado para um início de cortes ainda em 2025.
Empresas que buscam crédito ou antecipação de recebíveis devem esperar algum efeito prático desse movimento no curto prazo?
ENRICO: No curto prazo, o impacto tende a ser mínimo. Esse dado do IPCA não altera de imediato as condições de crédito do mercado. Entretanto, se o movimento de desinflação se consolidar e se tornar mais abrangente, podemos sim esperar juros e crédito mais baratos no médio prazo. Até lá, a antecipação de recebíveis, por sua natureza de curto prazo, continua sendo uma solução prática e competitiva para empresas que precisam de liquidez rápida sem depender das oscilações da política monetária.
Na visão da BFC, a deflação atual muda em algo a forma como as empresas devem encarar soluções de liquidez, como a antecipação de recebíveis?
ENRICO: Não. A deflação observada em agosto não altera a necessidade das empresas de manterem um caixa saudável e previsível. O cenário econômico ainda é incerto e exige disciplina na gestão financeira. A antecipação de recebíveis continua sendo uma ferramenta estratégica porque permite ao empresário acessar os próprios recursos de forma imediata, sem contrair dívidas adicionais. É exatamente essa previsibilidade que garante tranquilidade para atravessar momentos de instabilidade, seja de inflação, seja de deflação.