Como as empresas brasileiras investem em inteligência artificial

No cenário de negócios brasileiro, a Inteligência Artificial (IA) deixou de ser uma mera tendência para se tornar uma infraestrutura essencial para decisão, operação e diferenciação competitiva. Segundo uma pesquisa encomendada pela IBM, 78% das companhias no Brasil planejam aumentar seus investimentos na tecnologia até o final de 2025. Os gastos com IA no país devem crescer 30% em relação a 2024, ultrapassando US$ 2,4 bilhões, impulsionados, principalmente, por IA generativa e agentes autônomos.
Resultados concretos e retorno sobre investimento (ROI)
Um estudo encomendado pela Amazon Web Services (AWS) constatou que 40% das empresas brasileiras já adotam efetivamente a IA em seus negócios. Entre elas, 95% relataram crescimento da receita, com um aumento médio de 31%. Além disso, 96% afirmaram ter observado melhorias significativas de produtividade.
Os ganhos de eficiência e produtividade permitem que as empresas redirecionem seus esforços estratégicos para áreas de maior valor: 66% investem em aperfeiçoamento do atendimento e relacionamento com o cliente, 59% em treinamento de funcionários e 56% em desenvolvimento de novos produtos e serviços.
Para sustentar essa trajetória de crescimento, as empresas brasileiras preveem mudanças estratégicas importantes, como a contratação de talentos especializados (51%) e o aumento da utilização de código aberto (50%). A busca por profissionais que dominam as aplicações e ferramentas de IA tende a se intensificar, pois esta expertise se torna um diferencial em um mercado competitivo.
No entanto, a jornada de maturidade da IA apresenta desafios. A maioria das organizações brasileiras (62%) ainda está em níveis iniciais de adoção, obtendo ganhos incrementais. Apenas 12% atingiram o estágio mais transformador, onde a tecnologia é usada para propósitos avançados, como a criação de sistemas personalizados e modelos de negócios inteiramente novos. Os principais obstáculos para essa adoção avançada incluem a lacuna de habilidades técnicas, a incerteza regulatória e os custos iniciais percebidos.
No artigo de hoje, o Diretor de Produtos da BFC, Enrico Canazart, traz sua leitura acerca dos investimentos em IA para a empresa.
01 – A pesquisa da IBM mostra que 78% das empresas brasileiras pretendem aumentar seus investimentos em Inteligência Artificial até 2025. Na sua visão, o que está impulsionando esse movimento e como ele se reflete no mercado financeiro?
Esse avanço é resultado direto da necessidade das empresas de operar com mais agilidade e precisão em um ambiente cada vez mais competitivo. A IA deixou de ser um diferencial tecnológico para se tornar uma infraestrutura de decisão imprescindível. Em pouco tempo, não ter IA no negócio vai ser equivalente a não ter um website. No setor financeiro, creio que isso seja especialmente verdade, pois a competição é acirradíssima e há uma imensidão de dados e complexidade regulatória. Portanto, existem inúmeras melhorias de produtividade a serem exploradas com IA. Ao falar do setor, as pessoas se atêm muito aos modelos estatísticos de crédito, como o uso redes neurais e boosting para credit scoring. Sem dúvidas, esse é um dos principais usos da IA no setor hoje, gerando muita eficiência no crédito pulverizado. Essa aplicação da IA precede os LLMs e já está presente nas operações dos bancos e fintechs há um certo tempo. Agora, com a IA generativa, o escopo de aplicação aumentou substancialmente. Hoje, o jurídico usa LLMs para analisar contratos de empréstimo e alienação, o time de compliance usa para interpretar novas regulações rapidamente e o comercial usa para automatizar o seu atendimento. Ocorre também uma personalização dos serviços financeiros, que vão ficando cada vez mais adaptados a você, assim como sua plataforma de streaming ou Spotify.
02 – O estudo da AWS indica que 95% das empresas que utilizam IA registraram aumento de receita e produtividade. Como a BFC enxerga o ROI (retorno sobre investimento) em tecnologia e inovação?
O ROI em tecnologia não é apenas medido por ganho direto de receita, mas também pelo ganho de produtividade do capital humano com IA. Na BFC, trabalhamos com diversos softwares proprietários, o que envolve esforço contínuo do nosso time de devs. Através da IA, conseguimos melhorar expressivamente o nosso output de código. Todos os nossos devs possuem integrações com LLMs como Claude e Gemini em seus editores de código, o que permite escrever diversas linhas de código a partir de prompts textuais. Isso economiza muitas horas de trabalho, o que entra diretamente na conta de ROI dessas ferramentas.
03 – De acordo com as pesquisas, as áreas mais impactadas pela IA são atendimento ao cliente, treinamento de colaboradores e desenvolvimento de novos produtos. Quais dessas frentes a BFC tem priorizado?
Nós trabalhamos nessas três frentes. Atualmente, estamos mais avançados na frente de desenvolvimento de produtos. Desde o final de 2022, pouco depois do lançamento estrondoso do ChatGPT 3.5, nosso time vem utilizando LLMs para acelerar o desenvolvimento de código, tanto front end quanto back. Esse uso vem se intensificando conforme novos modelos mais poderosos são lançados. Os modelos mais atuais, como Claude Sonnet 4.5 e o Gemini 2.5 Pro, são incrivelmente poderosos para funções de lógica e programação.
Na frente de treinamento, nosso RH e compliance já usam LLMs com frequência para auxiliar na revisão de políticas internas e materiais de treinamento. Também estamos estudando o uso de algumas plataformas de geração de vídeo, como a Synthesia, mas isso ainda está no começo.
Finalmente, no atendimento, estamos analisando algumas ferramentas de IA para integrar aos nossos canais de atendimento no Whatsapp e Zendesk. Nada 100% definido ainda, mas teremos novidades em breve.
04 – O levantamento mostra que grande parte das empresas usa IA para aprimorar o atendimento, treinar equipes e desenvolver novos produtos. Essa priorização reflete uma tendência global ou há particularidades do mercado brasileiro?
Acredito que as prioridades são parecidas. Independentemente da geografia, a IA é, na prática, um analista altamente capaz, treinado a partir de todo o corpo de conhecimento humano, à disposição de qualquer um com conexão à internet. Obviamente, os modelos não são perfeitos e ainda ocorrem falhas e alucinações, mas não existe barreira de uso ou aplicabilidade por estarmos no Brasil. As dores básicas das empresas são muito parecidas em qualquer lugar do mundo. Todo mundo quer maximizar lucro, melhorar atendimento e desenvolver produtos melhores. No Brasil, talvez, tendo em vista o nível descomunal de burocracia regulatória, fiscal e trabalhista, temos uma urgência ainda maior para implementar soluções de IA.
Nossas prioridades são muito parecidas com as do resto do mundo, mas existe uma diferença mais pronunciada quando nos comparamos a potências da IA, como EUA e China. Como na grande maioria dos países, nossa corrida atual está restrita à implementação de IA em processos de negócio. As empresas americanas e chinesas também estão nesta corrida, mas por lá existem gigantes de tecnologia que atuam um passo atrás na cadeia de valor, gastando centenas de bilhões de dólares em capex para treinar modelos fundacionais cada vez mais inteligentes. A expectativa é que isso eventualmente leve à criação de uma “superinteligência”, capaz de curar doenças incuráveis e turbinar o desenvolvimento humano. Nós, infelizmente, não temos capital e tecnologia para entrar nessa competição, mas temos muito potencial para aplicar esses modelos de última geração nas nossas verticais de negócios e criar soluções disruptivas.
05 – Apenas 12% das empresas brasileiras atingiram um estágio avançado de maturidade em IA. Quais são, na sua visão, os principais entraves para que mais organizações cheguem a esse nível?
O principal obstáculo ainda é o capital humano. Falta gente com conhecimento técnico suficiente para estruturar projetos de IA. Qualquer um pode aplicar IA ao seu negócio, se conectando às APIs dos principais LLMs, como Gemini e ChatGPT. Dito isso, é necessário adaptar esses modelos às necessidades específicas do seu negócio, o que exige prompting bem feito e uma governança de dados sofisticada.
Quando você passa um comando para o ChatGPT, por exemplo, você está elaborando um “prompt” para que o modelo busque estatisticamente a melhor resposta dentro de sua base de treinamento. Muita gente não sabe disso, mas a qualidade desse prompt pode influenciar drasticamente a qualidade da resposta. Por isso, existe toda uma área de IA generativa focada em engenharia de prompt. É imprescindível que qualquer projeto de IA baseado em LLMs seja conduzido por alguém que tenha esse conhecimento.
Para conseguir adaptar o modelo às demandas do seu negócio, você também deve ter a capacidade de repassar diversos exemplos de dados estruturados da sua operação como treinamento. Se você deseja, por exemplo, que o modelo assuma o atendimento da sua empresa, ele precisa primeiro entender os parâmetros desse atendimento e o que um funcionário seu responderia. Portanto, ele precisa ser treinado com exemplos da sua rotina operacional, e tudo isso parte de ter um banco de dados bem estruturado. Em outras palavras, todo projeto de machine learning começa na estruturação de dados. Antes de pensar em qual LLM usar, é necessário analisar se os dados da sua empresa estão bem organizados e armazenados com segurança e conformidade regulatória num ambiente em nuvem. Além disso, é importante ter alguém que possa assumir responsabilidade por esses dados, preferencialmente com conhecimento em linguagens de programação como SQL e Python. Muitas empresas não têm isso e ficam travadas em seus projetos de implementação de IA.