Indústria: Desempenho de agosto foi o pior em 10 anos

O cenário econômico para a indústria brasileira apresentou um sinal de alerta em agosto, registrando o desempenho mais fraco para o mês desde 2015. A informação, divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em sua mais recente Sondagem Industrial, destoa da tendência histórica, que costuma apontar para uma expansão da atividade no período.
Para gestores e empresários do setor, compreender os números por trás dessa retração é fundamental para o planejamento estratégico dos próximos meses.
Indicadores
O principal indicador que revela a retração é o índice de evolução da produção, que caiu para 47,2 pontos. Em uma escala onde 50 pontos representam a linha divisória entre crescimento e queda, o resultado acende uma luz amarela sobre a atividade industrial. A última vez que o mês de agosto apresentou um número tão baixo foi há uma década, em 2015, quando o índice marcou 42,7 pontos.
Outro dado relevante foi a queda no número de empregados. O índice recuou para 48,4 pontos, indicando uma diminuição nas contratações entre julho e agosto. Essa movimentação é particularmente preocupante, pois quebra uma tendência de alta no emprego que vinha sendo registrada desde 2020 para este período do ano (com exceção de 2023).
A Utilização da Capacidade Instalada (UCI) também apresentou uma leve queda, passando de 71% em julho para 70% em agosto de 2025. Embora seja um percentual idêntico ao de agosto de 2023, está abaixo dos 72% observados em agosto de 2024, reforçando a tendência de desaceleração.
Em contrapartida, os estoques permaneceram estáveis. O índice de evolução ficou em 50 pontos, e o indicador de estoque efetivo em relação ao planejado ficou em 49,8 pontos, muito próximo da neutralidade. Isso sugere que, apesar da queda na produção, os estoques estão ajustados conforme o planejado pelos empresários, evitando acúmulos que poderiam pressionar ainda mais o caixa das empresas.
A seguir, o Diretor de Produtos da BFC, Enrico Canazart, analisa os principais pontos da notícia da CNI e o que eles representam para os clientes da BFC no setor industrial.
O emprego registrou queda. Do ponto de vista da gestão financeira de uma empresa, o que esse movimento no mercado de trabalho sinaliza?
ENRICO: A queda de emprego é um sinal de alerta importante, pois as empresas evitam demissões para evitar custos elevados com rescisões e a perda de mão de obra qualificada. Isso indica que a confiança está baixa e que os gestores não esperam uma melhora no futuro próximo. Essa perspectiva ficou evidente no índice de confiança setorial divulgado recentemente pelo CNI, em que 27 dos 29 setores industriais sondados se mostraram pessimistas. Em cenários de margens apertadas e confiança deteriorada, demissões acabam sendo uma consequência infeliz, mas os empresários devem, dentro do possível, procurar preservar o capital humano estratégico necessário para a retomada do crescimento.
A pesquisa indica que os estoques estão ajustados ao planejado, com o índice próximo da neutralidade em 50 pontos. Em um cenário de produção em queda, isso deve ser visto como um ponto positivo ou como um sinal de alerta?
ENRICO: Por um lado, é um sinal positivo que os estoques não tenham crescido, o que implicaria mais capital mais capital imobilizado em produtos parados, algo que se agrava conforme a demanda e as vendas caem. Por outro lado, como as indústrias estão reduzindo a produção para se adequar ao ambiente de demanda e confiança mais fraca, o estoque não está estável porque as vendas estão boas e o estoque está girando, mas porque os empresários estão pondo o pé no freio. Isso é um sinal de prudência, mas reforça o ambiente de desaceleração que estamos vivendo em meio aos juros altos.
Sabendo que agosto quebrou uma tendência histórica de expansão para a indústria, quais são os principais riscos de curto prazo para os quais as empresas do setor devem se preparar financeiramente?
ENRICO: A queda na demanda é o risco direto mais evidente, pois a receita cai e as empresas sofrem o que chamamos de desalavancagem operacional, ou seja, perda de margem à medida que o faturamento cai, com o custo fixo representando uma porcentagem cada vez maior da DRE. No curto prazo, os empresários conseguem segurar a produção para se adequar à perspectiva menor de vendas, mas costuma ser inviável reduzir custos fixos rapidamente. Muitas indústrias possuem contratos take-or-pay para insumos como gás ou serviços de transporte, o que quer dizer que elas precisam pagar por um volume pré-contratado deste produto/serviço, independentemente de ajustes no consumo. Muitas também trabalham com compromissos contratuais de compra de energia no mercado livre. Apesar de contarem com a opção de vender o excedente no mercado spot, podem ser forçadas a fazer isso em condições desfavoráveis. A mesma lógica se aplica a custos como aluguel, leasing de maquinário, que não podem ser ajustados tão facilmente.
Além disso, existe o risco de descasamentos no ciclo financeiro. Em cenários de retração, é comum que os clientes (sacados) peçam prazos de pagamento mais longos, enquanto os fornecedores, também pressionados, podem reduzir os prazos de compra de matéria-prima. Isso cria um ‘vale’ no fluxo de caixa que precisa ser coberto. Monitorar de perto as contas a receber e ter um plano para acessar liquidez de forma rápida torna-se vital.
Que tipo de práticas financeiras estruturais as empresas podem adotar para construir mais resiliência diante de volatilidades de mercado como a que o relatório aponta?
ENRICO: Existem algumas estratégias que podem ajudar bastante o empresário a elevar a saúde estrutural do seu negócio.
- Otimização de Capital de Giro: Monitore exaustivamente as métricas de capital de giro da sua indústria. O ciclo financeiro, que acabo de mencionar, é um conceito muito importante que todo empresário precisa entender. Basicamente, o ciclo financeiro representa o tempo que a empresa precisa de capital de terceiros ou próprio para cobrir o período entre o pagamento dos fornecedores e o recebimento dos clientes. A fórmula é muito simples:
Ciclo Financeiro (CF) = Prazo Médio de Estocagem (PME) + Prazo Médio de Recebimento (PMR) – Prazo Médio de Pagamento (PMP)
Cada um desses prazos pode ser facilmente estimado com base nas demonstrações financeiras da empresa:

O objetivo é estar sempre atento a cada um desses prazos e trabalhar para reduzir os prazos médios de estocagem e recebimento e aumentar o prazo médio de pagamento. Isso melhora diretamente a liquidez do negócio. Na prática é uma questão negocial com cada stakeholder, mas as fórmulas ajudam a tangibilizar a saúde financeira de curto prazo do negócio. Num momento de contração, haverá pressão dos parceiros que podem piorar esses prazos, mas o empresário deve sempre buscar um equilíbrio.
- Uso Responsável da Alavancagem: É crucial manter sempre patamares saudáveis de dívida financeira. Duas métricas relevantes neste quesito são Dívida Líquida / EBITDA e Lucro Operacional / Despesas com Juros.
Dívida Líquida / EBITDA: A dívida líquida é uma métrica de dívida financeira menos caixa disponível, enquanto o EBITDA, ou Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização em inglês, é frequentemente usado como aproximação da geração de caixa operacional do negócio. Em outras palavras, a divisão de um pelo outro indica aproximadamente quantos anos de geração de caixa serão necessários para pagar a dívida financeira da empresa. Geralmente, é recomendado nunca exceder 4x nessa métrica, mas, dependendo do perfil de vencimento da dívida (ex. vencimentos mais concentrados no curto prazo), o limite observado deve ser ainda menor.
Lucro Operacional / Despesas com Juros: Essa métrica é importante para entender com quanta folga o lucro operacional do negócio cobre as despesas com os juros da dívida. Não há um número “certo” para o seu negócio aqui, mas, em geral, deve-se buscar algo acima de 3x. Níveis muito baixos aqui são um sinal de alerta de que o custo da dívida está oneroso demais.
Se os indicadores da sua indústria não se enquadrarem nos parâmetros acima, é indispensável focar esforços em alongar, reduzir e baratear seu endividamento. Busque novas linhas mais baratas para pré-pagar suas linhas mais caras, como cheque especial e cartão de crédito, use o seu imobilizado como colateral para obter empréstimos mais baratos, e refinancie suas dívidas de curto prazo. Caso precise de liquidez sem aumentar o seu endividamento no curto prazo, procure antecipar seus recebíveis.
- Controle Inteligente de Custos: O controle orçamentário é um pilar fundamental de qualquer indústria saudável, mas fica especialmente importante em tempos de aperto. Toda empresa deve ter reuniões periódicas para discutir orçamento. Existem diversas formas de fazer isso, mas uma forma particularmente eficiente é o Orçamento Base Zero, ou OBZ, uma metodologia em que cada despesa deve ser justificada a partir do zero para cada novo período. Apesar de ser mais trabalhoso, o OBZ quebra a inércia do processo orçamentário, impedindo que uma despesa se perpetue simplesmente porque já estava presente em períodos anteriores. Ao revisitar o seu orçamento do zero, você pode descobrir várias fontes óbvias de economia que não estavam aparentes, além de evitar cortes de capital humano que podem prejudicar a retomada do seu crescimento quando o cenário econômico melhorar.
- Diversificação: Nunca coloque todos os ovos na mesma cesta. As cadeias de produção são extremamente entrelaçadas e existe uma forte interdependência entre indústrias. Portanto, não deixe de analisar a sua curva ABC de clientes periodicamente e buscar novas parcerias comerciais. Assim você se protege contra eventuais processos de falência ou recuperação judicial de um grande cliente. Além disso, você reduz o impacto no seu ciclo financeiro caso um grande cliente te pressione a alongar prazos de recebimento.
O mesmo raciocínio se aplica para os seus fornecedores. Sempre que possível, busque alternativas para não ficar 100% dependente de uma única empresa para um insumo essencial. Mesmo se optar por trabalhar com um único fornecedor para um insumo específico, mantenha canais abertos com outras empresas, assegurando que haja sempre um plano B caso comece a enfrentar problemas com o plano A.